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Onde quem tem casa de banho é rei!-entrevista Platina Mais

novembro 19, 2019

/ Por João André Sumbo
Na localidade da Kilunda, situada na comuna da Funda, município de Cacuaco, em Luanda, vive-se uma realidade difícil de ser compreendida.

Das mais de 15 mil famílias aí residentes, apenas um número bastante insignificante dispõe de uma casa de banho no interior da sua residência. As pessoas preferem recorrer às matas para defecar e à sala e ao quarto para tomar banho. A falta de dinheiro para mandar cavar o buraco para a construção da fossa, aliada ao facto de a terra ser muito dura (é argila), é apontada, pelos moradores, como a principal razão que os desmotiva a construir um WC.
“É mais fácil construir o quarto, a sala e a cozinha do que o WC”, referiu o morador João Manuel. O custo para mandar cavar uma fossa, segundo contou, ronda os 20 mil kwanzas, valor que disse não estar ao alcance da maioria dos moradores da localidade, maioritariamente camponesa.
Paradoxalmente, muitas famílias nessas condições dispõem, em suas casas, do serviço de televisão por satélite, vulgo parabólica, levando-os, em alguns casos, a gastar 3.295 kwanzas, por mês ou 39.540, por ano. Benjamim Afonso, por exemplo, gastou 158.160 kwanzas, em quatro anos.
A zona foi contemplada com a luz da rede pública.
Benjamim Afonso, um dos moradores que preferiu ter o sinal de televisão em casa, em detrimento de uma casa de banho, contou à reportagem do Jornal de Angola que tomou tal decisão por não dispor de condições financeiras para erguer uma. “Comprei a parabólica para a família não ficar muito isolada”, frisou.
João Manuel, cujos 70 anos de vida foram todos completados naquele bairro, revelou que o hábito de não construir casas de banho vem de longe e foi passando de geração em geração.
O ancião disse que os primeiros habitantes da zona deixavam, propositadamente, de construir casas de banho, porque se sentiam mais confortáveis a defecar nas matas ou nas montanhas.
“Mas, agora, estamos a ver que as casas de banho fazem muita falta”, admitiu.
O morador referiu que a prática de defecar ao ar livre tem provocado, sobretudo no tempo chuvoso, muitos casos de febre tifóide e diarreia na zona.
“As moscas, depois de poisarem nas fezes, transportam as bactérias para as nossas casas”, realçou.
Preocupado com a situação, uma instituição filantrópica construiu, naquela localidade, várias latrinas para impedir o surgimento de algum flagelo.
“São poucas. Não chegam para toda a gente”, disse o mais velho João Manuel, acrescentando que muitas delas se encontram, hoje, inoperantes, devido ao mau estado.
As famílias com casa de banho nas residências nem sempre aceitam ser solidárias com as que não têm, por entenderem que as que se encontram nessas condições são negligentes.
Bater a porta de um vizinho com casa de banho, segundo contou o morador Manuel Tchukúlia, nalguns casos, para pedir ajuda, é considerado crime. “Aqui, quem tem casa de banho é rei”, aclarou.
Nas poucas casas onde se pode encontrar um WC, estes também clamam por melhores condições. Só a maior das necessidades levaria alguém a utilizar o lugar.
Devido ao acto de defecar ao ar livre, há três anos, o bairro foi assolado por um surto de cólera, que chegou a vitimar mortalmente alguns membros da comunidade.
“Aproximadamente dez pessoas terão morrido naquele período”, recorda Baptista João da Silva, presidente da Comissão de Moradores do bairro Kilunda.
O responsável salientou que o bairro continua a registar, até hoje, por culpa dessa situação, muitos casos de febre tifóide, diarreia e paludismo. Baptista João da Silva confirmou a informação segundo a qual muitas famílias deixam de construir casas de banho devido à falta de dinheiro.
“O valor para a construção de uma casa de banho não está ao alcance de muitas famílias”, confirmou.
O mesmo problema verifica-se nos bairros “Terra Branca” e “Kuta”, adjacentes à Kilunda. A situação tem impedido muitas famílias de receber visita. “Os nossos familiares pensam duas vezes para vir aqui, por não termos casa de banho”, contou, a rir, um morador.
Não se sabe, ao certo, há quanto tempo existe o bairro Kilunda, mas alguns moradores falam em mais de 60 anos. A maioria das casas, um total de 600, é de adobe.
Limpam fossas por necessidade e esperam por algum respeito
Se na Kilunda as famílias batem-se por uma casa de banho, em Luanda, os profissionais que se dedicam ao trabalho de desobstrução de tubos de fossas sofrem com a discriminação e a desvalorização.
Paulo Nataniel, 42 anos, Celestino António (41) e João Praia (44) decidiram abraçar o trabalho de saneamento por não terem outra alternativa. Disseram que o trabalho, apesar de constituir a principal fonte de sustento das famílias, lhes tem custado muito caro.
“Ainda vivemos numa sociedade bastante ignorante, que chega a pensar que o único trabalho digno de ser feito é do escritório”, lamentou um deles.
Há oito anos a fazer o trabalho, que envolve também, em alguns casos, a limpeza de fossas, João Praia referiu que, certa vez, ao desentupir o tubo da fossa de uma instituição, foi barbaramente discriminado por uma mulher, por sinal empregada de limpeza, nos seguintes termos:
“Se o meu namorado aceitasse fazer esse trabalho, ainda que me desse uma mesada de mil dólares, o deixaria no mesmo dia”, lembra, com tristeza.
Embora já se tenha passado algum tempo, desde que ouviu o insulto, o cidadão diz estar ainda traumatizado. Confessou ter dificuldade para falar do trabalho que faz, porque teme ser discriminado.
João Praia apontou o cheiro das fezes como o principal problema do trabalho.
“Apesar de já estar a fazer este trabalho há um tempo, ainda não me acostumei ao cheiro”, frisou.
Muitos colegas que faziam o mesmo trabalho, prosseguiu, encontram-se actualmente em casa, acometidos de infecção pulmonar. Ele acredita que a doença dos colegas foi provocada pelo trabalho que fazem.
Celestino António faz o mesmo trabalho há 12 anos e, diferente do seu colega, disse não ter receio de o assumir, porque parte do princípio de que não está a roubar a ninguém.
“É o único pão que tenho. Não posso me envergonhar dele”, realçou, reconhecendo que também já foi alvo de discriminação.
Paulo Nataniel, por sua vez, confessa não ter sido fácil nos primeiros dias, devido à especificidade do trabalho.
“Não é fácil ver dejectos alheios. Só mesmo a necessidade de sustentar as nossas famílias nos leva a fazer isso”, sublinhou.
Paulo Nataniel contou que, certa vez, enquanto limpava a fossa de uma casa, um dos membros da família decidiu usar a sanita.
“Se não estivesse atento, o dejecto cairia todo por cima de mim”, lembrou. Neste dia, continuou, ponderou colocar um ponto final naquele trabalho. “Não foi fácil”, acentuou.
Miguel Ricardo dedica-se à limpeza da casa de banho de uma instituição comercial no centro da cidade. Disse estar nisso há nove meses. Contou que muitos usuários do espaço não o respeitam, apesar de ser a pessoa que garante a higiene do lugar que eles utilizam.
“Há pessoas que entram aqui e não se preocupam, sequer, em oferecer um bom dia. É como se eu fosse invisível”, lamentou.
Como agravante, salientou, há muita gente que faz uso das casas de banho e não coloca água, tarefa que depois acaba por sobrar para eles.
“É uma autêntica falta de respeito. Apesar de trabalhar nessa área, também merecemos ser respeitados”, frisou.
A data e os números
Assinala-se, hoje, o Dia Mundial da Casa de Banho. A data é comemorada desde 2001 em vários países do mundo. Também conhecida como Dia da Sanita, foi oficialmente reconhecido pelas Nações Unidas, em 2013, e visa alertar a população para o facto de mais de 2,4 mil milhões de pessoas não terem acesso a uma casa de banho limpa, segura e privada. A data tem como objectivo destacar a importância do saneamento básico para a saúde global.
Estudos apontam que 1 em cada 3 pessoas não dispõe de casa de banho que assegure boas condições de higiene e segurança. Mais de 700 mil crianças morrem todos os anos devido à diarreia causada por águas poluídas e más condições sanitárias, tendo provocado perto de 2000 mortes por dia.
Em todo o mundo, existem mais pessoas com telemóvel do que com sanita. Mais de 60 milhões de crianças nascem em casas sem saneamento. 7.500 pessoas morrem diariamente por falta de saneamento, entre as quais 5.000 são crianças com menos de 5 anos.
272 milhões de dias de escola são perdidos por ano devido a doenças relacionadas com o saneamento. Apenas 47% das escolas nos países em desenvolvimento oferecem adequadas condições sanitárias.
Alguns países perdem 7% do PIB com problemas de saúde relacionados com a falta de condições sanitárias. Dois milhões de toneladas de dejectos humanos vão todos os dias para fontes de água, contaminando-as e mil milhões de pessoas ainda defecam ao ar livre.

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